O que vestimos quando não temos que sair de casa

No começo da quarentena (agora já são sete semanas pra quem começou do começo), rolaram várias postagens sobre o que vestir em casa. Eu mesma só queria saber se a roupa segurava o celular, que tenho usado para contar meus passos com um app bem tosquinho.

Até me veio uma canseira de usar sempre a mesma roupa batida, logo eu que estudo indumentária, que estou sempre pensando no que nossa roupa diz sobre nós. Aliás, o dia que mais me arrumei foi no dia da minha qualificação online, botei até uma camisa, que eu amo, comprei faz mais de anos, e nunca uso por dó mesmo. 


a camisa de dia santo em casa


Sempre fiz home office, sempre molambenta - molambo é um termo caro aqui em casa. Pra uma roupa virar pano de chão, nossa senhora. Não posso negar - nos arrumar, passar batom, ainda mais quem gosta de moda, ajuda nossa produtividade, e em tempos de quarentena, ajuda algo muito precioso que é nossa saúde mental. Pra mim a melhor expoente dessa teoria é a Stella Vasconcellos do DigaXs. 

nossa musa da moda acessível

Logo no começo do isolamento, fomos inundadas por uma avalanche de conteúdos sobre o assunto, com muitas lives e desafios de instagram, que acompanhei avidamente. DigaXs no #quarentenasemzara foi viciante. Também amei #papocolorido, da Bruna La Serra e Maria Alice Ximenes, uma vez que um dos meus temas favoritos da vida é cor. Ana Vaz maravilhosa também levantou essa bola da cor mudando nosso humor, eu não poderia concordar mais. 

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Mesmo assim, não me animava muito em produzir looks para participar. Ana Soares (@modapenochao), gravídissima, me fez sentir um pouco melhor, ao falar sobre não ligar para trabalhar arrumada em casa, respirei aliviada. Outro post reconfortante foi da o Melzinha (@repeteroupa) sobre ficar de camiseta. 

obrigada, Mel.

Pegou muito quando li esse artigo (em inglês, traduzi trechinhos, e obrigada, Aline, por me enviar), que já no título dialoga com tudo que penso sobre roupa: "Nossa roupas contam nossa história. Qual a narrativa quando só usamos pijamas e moletons?". Para além de nomes dos projetos que fiz parte, acredito e investigo que histórias nossas roupas estão contando. Outro trecho que se relacionou com isso: "Quando nos perguntamos: 'O que eu deveria vestir hoje? estamos nos perguntando coisas muito maiores como 'Quem eu sou?' 'O que espero sobre o dia de hoje?' ou 'Como vejo o andamento da minha vida?'". Antigamente, eu saía muito de coturno, pronta para enfrentamentos: com a rua, com alguém que estava me irritando... Ultimamente, eu andava saindo usando coisas mais fluidas, muito branco, rosa e verde. 

O que mais pegou no texto foi o trecho que dizia que nossas roupas são lembranças que nos encontraremos com o outro. Sim, existe todo um movimento de nos vestirmos para nós mesmas, mas quando eu escolho uma calça com bolso ao invés de uma saia para ir para outra cidade e pegar metrô, estou levando o outro em consideração. No meio de um isolamento social, nos vestir para fotos e lives é uma lembrança deste tipo de contato social.

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Entre a revolta e abandono de a sapatos (sempre fui adepta) e sutiãs (não consigo, me sinto desorganizada, culpem o patriarcado ou só minha consciência corporal mesmo), vamos nos questionando sobre códigos de vestimenta, consumo, conforto, sobre o que será da moda nesse futuro - próximo ou não. 

Quando leio a Ana (@modapenochao) dizer que o uniforme dela (assim como o meu) tem sido "uma roupa de malha bem confortável, nem sempre em excelente estado, confesso" me dei conta que sempre tive alguma ojeriza ao impecável como ideal, correto, adequado, apropriado, sem defeitos. Entendemos que o socialmente apropriado seja composto por roupas sem furos, sem bolinhas,sem pelos de gato... E os meus trajes sempre tem algum destes elementos, desde criança. O uniforme escolar sempre teve pasta de dente. Esse conflito entre a roupa de bater, de ficar em casa, da faxina versus roupa boa para os outros notarem não é novo pra mim. 

O impecável não faz parte da minha narrativa. Minha história pessoal de indumentária sempre levou isso em conta, de propósito, refletindo quem eu sou. Mesmo que as pessoas se enganassem,  sempre fiz questão de responder "nossa, 10 real no bazar tal" para qualquer elogio aos meus looks. Uma amiga uma vez, ao me ver toda imponente, gritou "prove que você é mesmo a Anna, mostre um furo na sua roupa!".E tinha mesmo, dois furos de cada lado da calça, mas na foto eu pareço a Audrey Hephburn, me perdoem a falta de modéstia.

Esse foi um truque que aprendi desde menina - "parecer" adequada, quando olhando de perto você vê furos e pelos de gato. Na quarentena, não poderia ser diferente. 

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